Crítica sobre práticas panópticas irracionais


Tenho sentido-me cercada em uma vida panóptica onde as janelas do cárcere são vãs tecnologias das quais dependo e independo. Sou observada do alto da torre de onde se acessam meu rosto, momentos, telefones e endereços por agentes do cafona autoritarismo social transvestido de moral e tradicionalidade e batizados com o amor e apropriação dos corpos que deus e o pensamento católico ocidental autorizam aos que não desenvolveram sua capacidade de percepção e crítica diante do mundo.
O panoptismo requer que haja necessidade, razão que justifique uma observação total e constante. Não se observa a quem não oferece riscos, não afronta regras, não critica, não se impõe enquanto ser pensante, capaz de diferenciar-se do todo mesmo calado, distante e relativamente desconhecido. Existir, nos termos da sedução, da inteligência e da liberdade, incomoda.
Impõe-se para estes, incômodos por natureza ou vocação, por construção ou dever, a necessidade de vigilância constante, e cria-se, a partir disso, o papel social do observador, controlador, disciplinador, punidor. Uma espécie de humano que se disfarça de deus para ter seus princípios orgasmáticamente acariciados, prática que pode supor qualquer recalque de ordem moral e ou ideológica.

Minha cela, como todas as outras, está atravessada pela luz do sol através das janelas cibernéticas que me permitem existir para muitos.

Quem é invisível hoje? A maioria.

A quem agrada essa posição? Suponho que aos poucos que preferem tornar panóptica a própria realidade, as práticas empreendidas pelo ego para manutenção da dinâmica dos dias que, pensando razoavelmente, devem andar para diante. Para isso indico doses diárias de senso de noção, de lapsos de realidade. Como, então, por-se em pauta a partir de seu próprio olho? Como esquecer as realidades outras e pensar em suas próprias questões? Suponho novamente que sujeitos sociais posicionados de maneira a sentirem-se senhores de suas vidas, entendendo isso como senhor de si e não de todos ao redor, tenham condição de perceber quais caminhos lhes são adequados de acordo com as opções ao alcance. No desejo de entrar nas pautas alheias perde-se a noção da sua e daí é muito fácil se perder em um caminho que já não lhe pertence. A questão não é pois pertencimento ou propriedade, mas aceitação.

E o sujeito no alto da torre, que observa quem nem ao menos o vê? O observado naturaliza a questão da vigilância e segue vivendo aprendendo a manipular as impressões dos olhos ao redor sem maiores impecílios à tranqüilidade. O observador, no entanto, passa a viver as vidas dos observados, suas imagens, suas práticas. A observação exacerbada traz envolvimento, que pode ser materializado em desejo ou inveja, em aprendizado ou influência banal. De qualquer maneira, para o observador, a vida vivida será sempre a alheia. E aí podemos nos perguntar, caro leitor, quem está de fato no cárcere?

Comentários

Sagatibando disse…
Por aquilo que se esvai nalgumas práticas do cotidiano...acabei longe de suas intensas linhas.
Mas, retorno a esta bela arte!
Saudações,
Sagatibando.

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