Sobre o dia que virei caco de vidro

quando cheguei aqui
gritava convulsões epiteliais
em rosto sereno
vestia qualquer coisa infectada
e as pessoas da minha casa
me disseram para não respirar
mimetizava um comportamento conpulsivo
agressivo contra minha paz
me guardaram no armário-cristaleira
no fundo, à esquerda
ao lado do jogo de chá deixado por minha avó
passei a sentir cheiro de vidro
lavado em álcool gel
as tacinhas e os pires
as xícaras e um pedaço de papel
antigo, envelhecido pela sorte
uma mulher dizia a deus para guardar os seus da morte
jesus cristo, maria e grande general ogum
que meus inimigos sejam derrubados
para que não me façam mal algum
nem nas ruas, nem nas esquinas, nem nas encruzilhadas
nem nos caminhos do vento, nem nas portas de casa
e seguia invocando seres de guerra
sagrados tanto quanto ela
para em si incorporar coragem
como um pires contive discreta aquelas rezagens
mas deixei resvalar sobre mim a lembrança de quem era
feito coisa preta eu era
agora sendo gente
compartilhava a sensação de alvo
com a palidez do mundo
coisa sempre tinha sido
agora panóptico pedaço de louça
como era esquisito
eu não mais era o perigo
entre cacos e cristais
isso tudo foi no dia em que o mundo convulsionou

Mamba Negra

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