Meu tronco grosso, meu tronco velho


eu moro no meio da caatinga onde as vistas avistam de longe uma sombra encorpada
sou uma árvore boleada com um buraco no meio
espalhada
panóptica de três cabeças feito um dragão
[ou feito um Tejo esquisito]
que viram seis pela quentura que sobe e anuvia o próprio mistério encravado no chão
debaixo das minhas saias
não crescem daninhas
minhas raízes são tão fortes que nem a terra as comporta
se retorcem como quem não cabe no subterrâneo passado dos meus
e dali bebem e comem e suportam
giram sobre si dançando na velocidade dos tempos
e quem no mundo quer pressa pensa até que elas estagnaram
o peso rombudo de meu corpo
requebra lascivo com as carícias do vento
dos bichos que me habitam e dos pássaros com quem vôo
comedora de terra e sol tenho mil bocas
uma na ponta de cada folha verde-crespa
que cantam e gritam e enlouquecem e invocam a água doce
e botam pra dormir
quem não olha bem só vê mesmo a loucura
não passo fome
eu pari o alimento e levo duas cobras dentro do meu peito
no buraco de meu meio
com quem danço quando aquelas pretas falam com os tambores
empresto sombra para o tempo ter paciência de passar
enquanto meu filho se deita no meu galho mais grosso
e repousa o tempo de sua brincadeira sagrada

Mamba Negra

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