Chuva torpe sobre minha poéticA

Depois de tanta chuva
sinto-me alagada de languidez
molhada, úmida, encharcada
e pingo pela casa fria, gotas macambúzias
e formo poças sorumbáticas
dessa água irritada que escorre das minhas pernas.
Choveram em mim
olhares metidos
venenos incontidos
ressentimentos transvestidos
e palavras transversalmente enxertadas desse peso mórbido.
Taciturna, no ritmo calado da música da chuva,
vejo a claridade da cidade do sol refletiva nas poças sob minha janela.
Sigo calada, não contenho a ansiedade de buscar em você,
meu lugar seco, apenas ouvidos. Sigo então, cultivando saudade
enquanto me esquivo das acusações cinzas que as chuvas me trouxeram.
À sombra da minha poética que coordena meus pés
caminho pra onde for aprazível.
Se tenho fáceis caminhos diante de mim, não os deixarei pra seguir por qualquer aguaceiro.
E se covardia pode parecer, em mim a poética diz que deve haver amor,
dias de sol, vento e verão!
À sombra da minha poética quero viver deitada sobre pétalas de flores, aconchego e holor.
À sombra de minha poética não há espaço para covardia, e por isso ímpeto é minha verdade, vivendo aquilo que me permite feliz.
À sombra da minha poética eu me represento e me apresento ao devir
e disponho-me como sacrifício aos destinos dos orixás.
Na minha poética me encontrar comigo é ser amada como quero.
E nem que bebesse toda a água que o céu ainda insiste em derramar sobre mim
estaria eu cheia se não vivesse minha própria poética?...
...estaria afogada em qualquer poesia vã, tola e pleonasmática
que essencializa a enxurrada em detrimento do que se sente a cada gota de chuva.

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