Meu erro

Esses dias me ensinaram receita para acalmar gente do Ogum, alisando dendê na palma da mão. Cortando o quiabo pela hora do almoço, fiquei olhando as garrafas de azeite quente e pensando se as bebia, se me ensebava, ou o que faria na intenção de fazer aquele dia passar logo, pois a primeira saudade é devoradora, às vésperas do desconhecido  não há pontos de apoio para acalmar o coração.

Logo depois temperei os búzios enquanto rezava uma oferenda íntima, como se estivesse diante do próprio oráculo, pedindo que o sabor durasse. Comi gozo no pingo de meio dia e na gota serena da meia noite, protegida da hora grande pelo abraço de meu bem.

Entre nós existiu desde sempre um ritmo. Segunda nos falamos, terça nos reconhecemos, quarta nos amamos, quinta nos levamos pela mão, sexta fizemos nossa lua de mel e, vendo que tudo era bom, casamos no sábado pela manhã.

O templo tinha cheiro de manga, mato e terra de paú, enxarcada de água doce. Foi Oxum quem fez a cerimônia pois Ogum já nos tinha dado bênçãos deixando os caminhos estranhamente abertos.

Meu homem maré cheia não se sabia fértil em se apaixonar, mesmo assim me deu um amor ibeji, de alma gêmea. 

Limpei o visgo de mangaba de minha pele para ele poder pousar em mim sem ficar preso, mas ainda assim, sentir gosto e cheiro, na fartura de fruta doce. Quando o vi saciado, balancei levemente meus galhos acompanhando seu movimento, e o assum preto voou feito sankofa, olhando para trás para aprumar a conta de erros e acertos e seguir adiante. Em lugar de chorar sua ida, cortei quiabo às dezenas, um após outro, e deixei a baba escorrer farta no lugar das águas que inundaram meu corpo junto dele.
Assum choveu no meu quintal, me deixou brotada.
Nos agoniamos, era um amor absurdo. Ele procurava um método que não machucasse os planos que já tinha e que não trouxesse de volta o desamparo. Parecia carecer de território de amor cultivado por ele mesmo, de fruição, de liberdade. Encontrou em meu âmago exu, a desordem e um fogo que queimava, cuspia brasa em sua cara e arribava em revoada. Era um amor absurdo que fazia bem, um bem danado.
Enquanto isso eu procurava lhe dizer: por favor meu bem, não deixa se apagar. A magia é sagrada, não santa. 
Domingo ele seguiu, já marido e morada, minha casa desde o primeiro abraço. Deitei na cama de cheiro e pensei em nunca mais lavar os lençóis, dormi sem sonhar, a vida real àquela altura me bastava. Ele foi, errante, construir caminho e pouso. Eu fiquei, seu erro.
"Até mais tarde, amor."
"Até.  Te vejo breve."

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