Diários de uma negra - dezoitodejulhodedoismilevintidois

 Fui ao mercado. Assaí. Zona de Sul de Natal. Na porta estão parados conversando um segurança negro de pele clara e um funcionário branco-mestiço.

Me aproximo do segurança e digo...

- "por favor, aqui tem...".

O funcionário se adianta, me corta e diz

- "tem não!".

Eu lhe olho nos olhos de canto de olho, ele ansioso por me negar alguma coisa. Possivelmente tentava bloquear a entrada de uma pedinte ao mercado. Nunca saberemos, ele nunca admitiria, mas o desenho da cena era esse.

Eu tento continuar com o segurança.

- "Aqui tem caixa..."

E novamente o funcionário...

- "Caixa vazia? Tem não!"

Eu tento continuar com o segurança.

- "Aqui tem caixa eletrônico?"

- Tem. Fica no interior da loja ao final do corredor.

Olho o funcionário e lhe digo perplexa...

- "'Tem não' é ótimo não é?"

Sempre saio ruminando as respostas que não dou.

Resolvi fazer um diário, ver se consigo manter a constância de escrever relatos não poéticos sempre que vivencio essas cenas desgostosas, mas não sei se terei tanto tempo disponível para a escrita, que consiga acompanhar a velocidade dos eventos. Não sei se terei paciência para a leitura alheia, que dirá que todo o problema mora na minha cabeça, que imagino coisas. Quem dera fossem fantasmas meus assombros. Oxalá meus fantasmas não tivessem brotado do cotidiano diário de uma negra. Não me permito agradar. Apenas escrevo. O mundo lá fora também não me agrada. Estamos quites.

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