Minha Úlcera

Chama-se antropologia o que agora me consome, em sua faceta mais dura e burocrática.
Prazos, referenciamentos, regras de como escrever, como ler, como construir uma retórica de apresentação das acorrentadas idéias.
Minha úlcera cresce a cada copo de café, a cada hora da madrugada, a cada vez que me dou conta de que o que escrevo agora não é tese e portanto é julgado como menos importante, embora sejam essas palavras que devam ser ditas agora pra desanuviar o pensamento e a angústia dessa cobrança insana e sem fim.
Antropologia é meu inferno territorializado, porque é minha forma de pensamento e de escravidão. Me liberta de alguns etnocentrismos e me imprime outros indispensáveis à sobrevivência nas selvas departamentais, nas batalhas teórico-metodológicas miseráveis. Antropologia é minha profissão e minha desventurada aventura pelas vidas alheias com o mínimo de legitimidade. Antropologia é meu vômito, meu poço, minha fossa, meu relacionamento rompido, meu ser angustiado nessa noite vazia e torturante. E se agora falta tão pouco para consolidar uma imagem social e documental de pessoa que conhece algo enfim na vida, sob a égide legitimadora das universidades parciais, é agora que me sinto morrer à beira-mar, com areia às margens... com areia na boca junto com alguns insetos.
Sou antropóloga mas não o sou porque os que o são há mais tempo se julgam no papel de mediar minha entrada nesse universo seco e pouco afável da análise social nas pequenas e empoeiradas salas de departamento. E, tendo investido ou gastado os últimos anos de minha formação intelectual com os clássicos, contemporâneos e especialistas dessa escola de pensamento social, não a sei e não me sinto parte dela. Não sei até que ponto me vejo concursada, com cara de gente séria, ensinando o que não nutre o espírito. Não sei até que ponto suporto mais a força devastadora das instituições totais sobre mim, indivíduo repartido e atropelado pelas exigências absurdas dos ritos de passagem acadêmicos.
Crua e fudida, com a cabeça inchada de tanto conceito e dado etnográfico, sem poder dormir e sem poder acordar, à beira de um ataque de nervos que já aconteceu e que se néga de parar.
Sou eu esse corpo, pacote de instablidades e sofrimentos encarados como o último limiar da sanidade, beirando os precipícios da impaciência, do desespero, daquilo que me faz doer de cabeça a estômago.
A antropologia que me forma socialmente destrói agora o tempo de vida e a tranquilidade que tanto prezo em mim. Disciplina filha da puta que de tão dura não admite nem xigamentos suficientes. Vem como um plano de forças intercruzadas e imbricadas de processos duros de dominação dos seres.

Comentários

Anjo Sub disse…
é foda... te entendo bem...
eu fugi... mas quero voltar... e só retorno se tudo que eu fizer puder ser uma metralhadora viva de esperancas...

Postagens mais visitadas