carta de despedida

Tenho vivido a angústia de me despedir sem saber exatamente de onde estou indo embora, ou para onde. Revelei o pé pisando desajeitada na passagem da intenção para a errância, manquei uns dias por cima de alguns muros, sentei pra descansar e o respiro não veio.
Tenho vivido o desejo de ir embora de alguns lugares onde talvez tenha entrado por acaso, só porque a porta estava aberta. Pode ser que esteja fugindo mais uma vez de coisas bobas que me assustam muito. Ir embora antes que tudo se desmanche.
Tenho acordado em pânico silencioso. Em um desses dias peguei minhas roupas, sapatos, papéis, móveis, pessoas e relações, coloquei na calçada para o povo da rua levar e corri para um esconderijo da infância, de onde eu mesma não conseguiria ver tudo indo embora. Quando voltasse, estaria apenas a minha calçada e a casa vazia.
Entrei em pânico e perdi a fome. Fiquei séria e preocupada, porque tinha uma bolha de ar dentro do meu externo irradiando agonia. Precisei escrever uma carta, décadas depois ainda não aprendi a mandar pelo correio e fazer chegar nas pessoas o que escrevo. Minhas gavetas estão entulhadas de silêncio, eu sorrio e as pessoas acham que é só mais um dia. Só quem me olha nos olhos profundamente me vê perdida naquela infância que não nos abandona, escondida atrás da árvore esperando a calçada esvaziar.
Tenho escrito cartas de amor e de despedida, é tudo verdade.

Comentários

Postagens mais visitadas