O doce amargo da liberdade


Três dias de três anos de cura de trezentos tempos assenzalados.
Adetokumbo ficou vendo crescer um canavial e bem no meio dele havia um limoeiro estranho, uma espécie disfarçada e retorcida de árvore ancestral. Limoeiro de catunda é metade árvore metade espinhos e este, ademais, exalava um cheiro doce que a confundia misturado ao perfume da cana. A mulher sentiu arrepiar seu lado esquerdo, seu ori coçava e se abria em flor, uma pressão fria e quente na sua testa, no seu nariz, e o ar se portava como queria dentro de seu peito por frações de segundo. De repente aquele cheiro misturado metamorfoseou-se e postou-se diante dela tendo a parecença assim de um homem tão bonito que parecia entidade, e de uma entidade tão compreensível que parecia homem, mas por ter essência masculina convidava a certa confusão.
O ser de canavial – cabelo duro e ideias firmes que adoçaram sua afrocentricidade – lhe muambava pensamentos encachaçados num discurso que mandingava mas não perdia o foco. O libambo maculou sua mente, ela o sentiu como malungo e lhe fez um cafuné. O afeto é doce como a cana que nós plantamos nas américas, pensou Adetokumbo. Afeto precede o feto, cria a vida e é revolução, a mulher negra como as águas de Oxum se permite maassagana em sua cimarronagem. Ela ofereceu um dengo mas as ideias de tão firmes às vezes enrijecem os corpos. O cimarrón comia e bebia liberdade, legado, ancestralidade. Ela lhe buscava a mandinga, um jequedê, um jeito de corpo fluido, e mesmo que tão aberto, tão fechado. O respeito impõe limites. O limoeiro se fez grande e a água desceu e o encontrou. Por mais calado que fosse ele, Oxum sempre se escorrega e alimenta, assim os espinhos não alcançaram aquela mulher, boa capoeira ela soube esquivar. Na cumba reencontrada Adetokumbo sarrou palavras de sabor nos lábios irreais da entidade que parecia homem e o limão que ele exalava tinha gosto de cana de açúcar. Brotando no mesmo chão, aprendeu a compartilhar do seu gosto-gozo.
Em um segundo tempo eterno se ouvia vozes, cantares, pensares, pesares. O vento parou, surgiram sussurros sem corpo e outra realidade apareceu, o chão se abriu permitindo que o frondoso pé de limão alimentasse a terra de seu corpo inteiro, fazendo brotar gramíneas regionais, aquelas que são o sinal do ressurgimento da natureza. Ela abriu os olhos e viu que havia atravessado o canavial. Atrás dela ficaram quizilas, senzalas e banzos. Mas o sol já renascia em sua frente, vale de Oxum, agô à terra, agô berimbau – o corpo sobrevivente canta para manter vivas suas memórias e reconstruir seu canzuá. Quando pronto seu quimbembe ela plantou as sementes do limão doce de cana de açúcar que, guardadas no cabelo – corpo ancestral, lhe haviam mostrado o caminho da liberdade.

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