Privilégios

Mostra tua cara preta na facul e no beco?
Ou só no sarau e não no gueto?
Tu tem medo do teu vizinho ou não porque ele é um senhor de classe média branquinho?
E se ele for um neguinho? Tu sai sozinho?
Dá um medinho?
Eu me questiono.
Ter escolha é para poucos.
Por onde eu escolho andar? Com quem quero me acompanhar?
Como também me proteger sem ter que me esconder?
Onde realmente mora o perigo?
O perigo também sou eu, preta agressiva.
Também sou eu, preta atrevida.
Sem modos, pouco acadêmica.
Consegue entrar mas não cabe de certo.
Parece-me hostil aquele ambiente asséptico.
Prato de barro, como com a mão, sentada no chão.
Não tenho problema em dizer palavrão, mas não gasto palavra em sentimento vão.
Meu exagero não é briga à toa, é que não to num lugar onde me encaixo numa boa.
Me sinto melhor no meio da rua, no meio do mato, na beira dum tambor.
Se precisar jogar areia, eu jogo meu amor.
Mas me nego a sucumbir a ela, movediça que me engole pelas pernas.
Sento nas tuas cadeiras duras mas os batentes das escadarias não se anulam.
É um exercício ser cortês lendo entrelinhas racistas 30 dias por mês.
Agora sim, tenho que me polir, porque fui eu quem escolhi, novamente estar ali?
Não vou pra academia pra fazer linha, pra fazer enxame, pra mostrar que posso.
Eu vou porque posso! Eu vou porque quero!
Eu vou porque muitos não puderam e não há espaço que não tenhamos que ocupar mas não adianta continuar fragmentando a luta.
Hipocrisia de preto não ajuda.
Dou minha cara à tapa, se me couber tua verdade.
Oportunidade não é motivo de vaidade.
Enfrente seu medo, saia do seu asseio.
Enfrento meus medos? Saio eu dos meus asseios?
Me pergunto, me questiono, me ponho em cheque.
Faz discurso bonito mas fecha as portas pros moleques.
Meu lugar de privilégio, os trânsitos que escolho ter, porque sim, ainda tenho escolhas.
E quem não tem? E todas as outras?
Lavadeiras, faxineiras, mães solteiras, guerrilheiras.
Agricultoras igual minha vó. Professoras igual minha mãe.
Me coloco em cheque e meto a cara no vento.
Me angustio enquanto me repenso. Lamento. Tormento.
Empoderamento?
Todo dia é difícil mas mesmo assim eu tento.

Mamba Negra

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