Grafismos
Meu rosto não é mais o mesmo, embora seja sempre aquele que franze a testa simplesmente por concertrar-se e faz parecer desacordo ou descontentamento. Nem sempre sou guerra, embora possa parecer. Meu rosto de hoje tem linhas que o tempo cavou com unhas grossas e cheias de terra por debaixo, e carrega uma seriedade de quem ouve e pensa muito. Minha pele respira um tempo novo, tão marcado de experiências andejas, de sol, de chuva, de tempo seco, poeira de chão. Meus dentes correram para o lado de lá, entraram em acordo entre eles de abrir um respiro pela esquerda para fazer duvidar, eles afrouxaram a cinta do meu sorriso e gargalham junto comigo. Meus olhos grandes continuam grandes e vivos, atentos ao mundo mudando avexado, espantados pelas atrocidades do caminho, encantados com nossa capacidade de alegria e festa. A moldura do meu semblante se viu drasticamente alterada depois que me despedi definitivamente dos sedutores e audaciosos cachos volumosos que acolhiam o deitar do meu orì, se juntaram em dreads que como eu, estão se ajeitando nesse novo corpo já não tão novo, insistente em devagarzinho seguir tentando achar um jeito quase que perdido, se aquilombam na minha cabeça, acariciam minha nuca, deixam rastros para outro jeito de fazer encantaria. O tempo de agora agrada a escrita de minha cara. Há que cavar um pouco para encontrar o solo fértil de tudo que tenho parido, terroso, teimoso. Meu rosto diz calado para quem gosta de ler, dentro do silêncio tímido - e não rude - sobre a velha que em breve nascerá. Venho ensaiando como ser, quem dera tivesse tanta nitidez sobre meus desejos de calmaria quando a banda primeira voou. O carcará velho pousou no meu ombro, rasgou dois traços mais no meio de minha testa e abriu comigo novas asas. A minha cara mudou, mais pareço uma árvore que enrigesse seu tronco agregando sobre si mais camadas, me vejo plantada, tenho bom sabor, vez por outra alguém me cheira as flores, alguém me rala as folhas. Me comem o fruto e minha pele brilha. O tempo tem esculpido na minha boa cara algum grafismo indisponível ao banal. De perto se pode ver suas nuances, embora pouca gente se aventure em tentar.
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