Agenda aberta

Nesse 12 de junho, dia dos namorados, estou novamente com agenda aberta. Tenho para oferecer serviços de afeto, atenção, risadas, affair, netflix, pipoca. Não temperamos os dias com limão, pimenta e cítricos, estamos mais próximas do mel e do dendê, o azeite doce também é bem vindo. Nossa estética atualmente é fun fun, tecidos claros, em uma roupagem mais fechada o que me afasta dos perfis próximos das narrativas populares do ser feminino atraente. As cores, carrego na pele marrom terra e nos enredos que levo entre a nuca e o umbigo, guardando dentro das missangas elos de existências ancestrais. Os serviços de afeto oscilam de acordo com as fases da lua, do ciclo do sangue, da agenda do trabalho e da minha criança, centro impulsionador da vida, que eu mesma pari. Sou parideira, vez por outra crio coisas desde o ventre de tão profundas e tenho que lidar com a incompreensão do mundo. Me explico, até que canso e guardo silêncio.

Não contamos com mesas de bar ou outros entorpecentes, esse ano a agenda vem em calmaria. Vivendo em Natal, também não posso ir ao mar. Guardo as horas grandes e acredito que ofereço o serviço de afeto a quem entender o que estou dizendo sobre o tempo das coisas. Disponho de preciosa vaga, mas, diante de tanto, são raras as possibilidades. Não lido com aglomerações.

Ofereço também uma variada carta de sinceridades, incômodos, complexidades, carências, sempre acompanhadas por atenção terapêutica especializada e períodos importantes de imersão no candomblé, porque só Orixá na causa.

Tenho longa caminhada nos estudos feministas, questões raciais e diversidades, o que dificulta bastante a capacidade de me dispor a ficar tranquila com certos desconfortos e desrespeitos. Mesmo assim, oferecemos o serviço de paciência e abertura aos diálogos necessários para que possamos nos acolher. Estudar certos temas tão caros tem sido importante para que possa entender cenas que se repetem e doem e abrem o acesso à raiva (sim, acessamos raiva sem culpa mas, logo em seguida, organizamos nossos ódios estrategicamente). Estudar também tem sido importante para poder me proteger, afinal, amo como mulher negra e às vezes tendo a me acostumar com a ideia de que o não já está dado.

A medida das coisas às vezes se perde, mas não me julgo. Costuma ser difícil amar desde dentro de um corpo que recebe mais rejeições do que acolhimentos. Sinto-me descartável por vezes, mas sei que a lógica da preciosidade se constrói pelo caminho que me concede a realeza. E, com tudo isso, venho dizer que estou com a agenda aberta porque posso me amar a ponto de vocês perceberem o quanto vale à pena.

Se você é uma pessoa disposta a lidar com um turbilhão complexo e intenso de tensões e descobertas,  ebulindo dentro de uma corpa mulher taxada de ser difícil demais, garanta já sua vaga! Elas são poucas, raras e absurdamente valiosas.

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