Carta aos irmãos desconstruídos


Hoje eu vou falar para os homens pretos
Não admito que vocês não nos tratem com respeito
Não me gritem, não me batam, não me levantem a mão
Perceba que da minha bisa eu herdei foi um facão
Isso não é ameaça, é aviso
De vocês homens negros, eu não recebo mais nem um grito
Nenhuma outra forma de me silenciar
De me diminuir
O básico você não tem que me explicar
Sobre o meu caminho você não tem que me instruir
Vejam bem homens negros
Fui eu quem lhes pari!
Eu pari a África, eu pari nas Américas
Eu resisti e resisto ao estupro estrutural
Não me dê irmão, um tratamento tão banal
Se eu lhe disser não, não me questione
e guarde o seu pau
A rede de luta com meu útero teci
Tantos heróis a quem respeito
Vejam todos foram bebês
Mamaram no meu peito
De Benkos Biohó a Zumbi
Quem carrega esses meninos
Que depois ficam aí se exibindo
Se mostrando de desconstruídos
E desrespeitando suas mulheres pretas?
Com as brancas ricas pulando as cercas
Rastejando nas saias da casa grande
Se permitindo ser senzala
Enquanto seus meninos suas pretas embalam
Me desculpem homens negros
Mas eu não posso lhes poupar
Masculinidade negra vocês tem que estudar
Politizem seu sexo
Não se permitam objetificar
Não me negue
Não me esconda
Você também não pode me ignorar
Me escute, me olhe, me veja e me sinta se tenho algo a lhe falar
É confortável e miserável criticar as feministas pretas
Mas vocês sabem que a vanguarda vem das nossas bucetas
Nós desconfiamos da paz
E enfrentamos a guerra
A nossa jornada é eterna
De manhã, de noite, de madrugada
Ontem, hoje, amanhã e eternamente
Com dignidade e respeito na mente
Não venha me dizer da maravilhosidade que é sua mãe
E que ela sempre te cozinha
Aquela mulher que deveria estar sentada num trono de rainha
Cale sua boca e vá lavar aquela louça
Volte cedo para casa e vá lavar aquelas fraldas
Não abandone sua mulher grávida
Não abandone sua mulher parida
Não abandone sua mulher esposa
Não abandone a mulher companheira militante
Pouco me importa seus livros na estante
Enquanto ela estiver obrigada a ser faxineira
Ou se a vê como uma liderança que para você teria que bater esteira
Homens negros, eu não posso lhes poupar
Mas não quero lhes abandonar
Lhes reconheço em mim, irmãos de luta
Mas vocês me atacam numa ignorância machista absurda
Irmãos, é preciso amar
Isso nós podemos lhes ensinar
O afeto é revolucionário
O afroamor deve ser prioritário
Baseado na compreensão e no respeito
Se irmã, se senhora, se rainha
Não admito irmão negro, que você continue me deixando sozinha
No caminho da revolução
Enquanto você tiver vergonha de pegar na minha mão
Vamos precisar mediar nossa relação com aquele facão
E será mais difícil parar de transitar entre o quintal e a cozinha
Sente sua bunda numa cadeira
E vá repensar sua conduta
Sua ignorância não é minha culpa
Quantas feministas negras você já leu?
Quantas vezes hoje de demonstrar afeto esqueceu?
Ou de pensar nas nossas crianças antes de produzir um evento
Ou de ir para os bares com alguns lazarentos?
Você foi humilde com as pretas a seu lado
ou ficou se exibindo, se fazendo de especialista que não foi convidado?
Desdenhou uma mulher capoeirista
Porque ela não quis jogar dando saltos de artista?
Me desculpem homens negros mas eu to muito puta
E isso não é minha culpa
Façam um favor, nos peçam desculpas
Chamem seus manos, seus amigos, seus trutas
Deixem de firula e vão se repensar
Porque mulher preta lhes pariu
Mas já não está aqui para lhes ensinar a caminhar

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