Meu Gunga é meu

Minha cabaça caiu, quebrou. Sangrei.
Hoje uma gota, amanhã não sei.
Ontem mais um talento abortei
Vítima da negação de todo dia
Valha-me Deus, tanta euforia
Mais uma nota destravei
Entre silêncios e burburinhos
Vou construindo meu caminho
O chiado, o arranhado exato
Toco dim
E o meu dom tenta desatrofiar
Entendo novamente que é preciso recomeçar
Ninguém vai botar nada de graça na minha mão
Talvez nem por merecimento
E aquele gunga é sim sim sim e não não não
Coisa que vez ou outra lamento
O dia torna a raiar
Minha manhã vem leve e mansa
Constrói o equilíbrio da balança
Para julgar bem o momento de falar
E o olhar a projetar
Sobre quem me atropela e diz
Que meu berimbau eu não sei armar
Afinar
Tocar...
Com licença que esse não foi meu pedido
Mesmo que nessa bateria
Meu gênero seja preterido
Ninguém conhece o gemido da minha insegurança
Desde criança com esse jogo amarrado
Nas saias que não podem rodar
Quem pode me julgar sobre um mundo que diante de si não consegue ver?
Para os ventres férteis tanta peleja para poder florescer
Sobre o racismo todos falam
Sobre machismo muitos se calam
Covardia e conivência
Apatia ou conveniência
Não há conforto nesse lugar
Mas pela rachadurada da cabaça brota uma flor
A cabaça guarda a semente de onde floresce o amor
É uma pedra que afrouxa e abre as portas para o dom
Meu dom de resistir
E de não deixar que alguém diga que esse não é o meu lugar.

Comentários

Unknown disse…
armarias
rebenta de cá a explosão das sensações a cada palavra carregada de tanta história, de tanta memória de resistência e luta
Gratidão por não desistir, por partilhar, por nos agarrar pra junto de ti, de tuas poeticas de resistência.
Unknown disse…
Amo sua arte...sua escrita corpo !!!! Admiro muitoooooo !!! Me sinto em você!!!!!

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