Para quem herdou agulhas de costurar bocas

Quem se incomoda quando a Preta fala?
Quem se incomoda quando a Preta fala?
Preto que estuda não sofre racismo?
Me conte senhora qual o tamanho do seu cinismo
Palestrante confundida com a estudante
Da escola pública onde foi falar
Quem iria acreditar que ela conseguiu se graduar? Dali não poderia passar.
Passou do segundo grau e dessa Portaria
E vejam que Grande covardia 
Esse sistema educacional
Você até pode falar
Mas deixe de lado o sistema prisional
A violência obstétrica
O feminicio crescente contra pretas 
E decrescente entre aquelas
"Não fale do escravismo do meu bisavô por favor 
Porque o tempo passou e hoje em dia somos todos iguais"
Somos não e está na hora de desorganizar a sua ilusão
Você não é meu irmão
Se me quer calada ou com palestra limpinha finamente filtrada 
Mas eu não vou dar essa mancada
Pra depois igualmente ser chamada de macaca mal amada
Não mais que dois minutos são necessários 
Para que venha o primeiro escárnio 
Mas branco também não sofre?
Branco também não morre?
Sim senhora, nesse mundo ninguém é eterno
Além do seu racismo
Um dia da minha vida não tem uma hora do seu conforto 
Vem aqui pra ouvir a Preta mas não quer passar desgosto
Queria que eu viesse ser conivente com sua herança?
Eu me requebro azonto e você nessa contradança 
Estudou história mas de que lado do chicote seus ancestrais seguravam?
Eram as costas deles que sangravam?
"Mas na minha terra a escravidão foi boazinha"
Só que a Preta nunca pisou fora da cozinha
Será que alguém dormia naquele porão 
Ou era mesmo pra guardar os sacos de farinha?
Você herda a campanha e eu fico com a dor
Escola de padre pra uns e pra outros o dissabor
Nem amor, nem aquecedor
Quem se incomoda quando a Preta fala me maltrata mas também me prepara
Epistemicídio pra me calar
Homicídio se não funcionar
Quantas formas haverá de morrer todo dia ainda sem sangrar
E saber sempre ser semente pra diariamente rebrotar
Quem se incomoda quando a Preta fala?
Tenho que decorar o último censo pra provar que o racismo não sou eu quem invento
Quer me desmoralizar? É que hoje não vai dar
Minhas raízes são profundas
Tenho família e procedimento
Luto é verbo e não lamento
Edifico minhas ideias ancestrais
Repassadas pelas rainhas negras que já caminharam mais atrás 
Se você rocha eu venho cipó
O nó que eu deixo na sua cabeça
É mais firme que a corda no meu pescoço
Vejam vocês, eu estou livre
Diferente do que você gostaria
Seu racismo que deveria estar morto.

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