Sobrecargas Invisíveis

5 horas da manhã
Bom dia!
Levantar pra se curar
Que nada!
Minha cabeça dorme
Sem conseguir descansar
6 horas
Bom dia!
Cozinha, café, cuscuz
Mal tem luz
Entrando pela janela
Um frio nas canelas
Faz tudo, avia!
Antes do menino acordar
E começar a remanchar
Mas que foda!
Tô com sono de hibernar
E essa dor no meu maxilar
De quem esconde o nervoso no queixo
Bruxismo de bruxa exausta
Que perde a hora
Mas não perde a magia
Avia menino! Avia!
Que a escola vai fechar
E eu vou me atrasar
Saí de novo sem comer
E essa mão que não para de tremer
Tchau meu filho, mamãe te ama!
Que vontade de voltar pra cama
De dormir até meio dia
Mas que nada!
Termina de ler tuas paradas
Tem artigo pra entregar
Todos os colegas já fizeram
E te lembram do teu lugar
Tem que se esforçar!
Corre! Meio dia!
Alimenta pra não cair
E a alma, vai comer o que
Pra não morrer de fome?
E o amor próprio
Em que minuto se esconde?
Poxa, a casa tá suja e só tenho duas horas
Até ele sair da escola
E agora? Leio mais?
Ou arrumo alguma coisa?
Eu queria meu Deus
Ir morar numa ostra
Amanhã tem aula
Me dá uma angústia
Um medo de ir novamente
De me sentir burra
Diante de tanta gente
Que tem foco
Que tem tempo
Que tem tesão de ler
Europeus falando sobre etnias
Racismo e eugenia
Explicando os conceitos de nação
Folhas cheias de razão
E eu querendo ler Abdias
Sem passar da décima linha
Não consegui ler
A criança não quer dormir
E eu que começaria depois das vinte e duas
Agora às onze babo
agarrada no erê
No outro dia vai ser foda
Entrar na roda
Fintar golpe de olhar na escadaria
o erê vou entregar
Sair voada pressa aula
Querer trancar
Sem poder me sustentar
Sem a bolsa que consegui
Por falta de opção
Em alguma coisa precisa passar
Não pode estagnar
E a alma vai comer o quê?
Arroz? Feijão?
Eurocentrismo? Racismo?
Saco cheio dessa merda
Que sobrecarga!
Ir pra Brasília pra declamar poesia
E quem paga a passagem?
Pra preta dizer palavra?
Ela mesma
E descobre o que pra cobrir a viagem?
Aí é treta
Que caralho! Que buceta!
Minha cabeça vai explodir
e os pedaços vão manchar as paredes
Mas tem que mandar pintar
Pra poder a casa entregar
Porque ela morava de aluguel
Ela queria morar era no céu
Deitada numa nuvem
Queria olhar a hora sem ter que se assustar
Queria tomar cerveja
Sem ter medo de ataque de pânico
Eu queria ter
Controle emocional
Odeio gente que diz
Que viver assim é natural
Natural é o meu black
Que de angústia eu raspei
Ansiedade de saber
Que mesmo que eu não faça mais nada
Não consigo terminar de ler essas paradas
Eu só queria dormir
E acordar em paz
Não ter sobrecarga nunca mais
Não sei se tenho que deixar de ser mulher
Não sei se um dia vou poder fazer o que quiser
Por ora tento evitar o banzo
a depressão, o pânico
Saúde mental da mulher preta
Que treta!
Esconder a crise
Pra não assustar a cria
Avia menino! Avia!
Tá na hora de dormir
Escrevo antes pra não explodir
e não sujar os lençóis
com os meus pedaços sós
Pra quando amanhecer
Ter que moribunda lavar meus restos
antes de levantar e tudo de novo recomeçar.

Mamba Negra

Comentários

Postagens mais visitadas